O relatório final, ainda em fase de conclusão,
da CPI da Indústria da Indenização Ambiental da Assembléia
Legislativa de São Paulo, confirma com riqueza de pormenores
um escândalo que o Estado vem denunciando há pelo menos cinco
anos: o Tesouro estadual vem sendo descaradamente roubado
por quadrilhas especializadas em superfaturar, nos tribunais,
indenizações pela desapropriação indireta de glebas destinadas
à criação de parques e áreas de conservação. Como mostrou
o jornalista Silvio Bressan, em reportagem publicada em nossa
edição de domingo, peritos nomeados pelos juízes para fazer
uma avaliação imparcial das áreas sob litígio valiam-se das
informações do perito designado pelo autor da ação - isto
é, pelo único interessado em aumentar o valor da indenização
- para completar o seu levantamento.
O mais escandaloso é que procuradores do
Estado e juízes não tenham percebido a irregularidade criminosa,
que levou o Estado a condenações milionárias. Um dos peritos
trabalhou em mais de 60 processos de indenização ambiental
antes de ser processado por improbidade administrativa, acusado
de superfaturar uma área do Parque do Jacupiranga, pela qual
está sendo cobrada indenização de R$ 368 milhões, que pode
chegar, com juros e correção, a perto de R$ 1 bilhão. E o
espantoso, no caso, é que, segundo os promotores encarregados
do caso, o Estado praticamente não tinha o que pagar, pois
"parte da área estava fora do parque, outra já era do Estado
e uma terceira já está sendo paga em outro processo".
Um segundo perito trabalhou em 25 processos,
seja como perito, seja como assistente do autor da ação. Ele
conseguiu a proeza de obter US$ 75 milhões por uma área avaliada
pela Secretaria do Meio Ambiente em US$ 2,4 milhões.
Com juros e correção, a indenização chegou
a US$ 667 milhões, ou R$ 1,3 bilhão, e hoje é o maior precatório
do País.
O governo do Estado deve R$ 3 bilhões em
precatórios ambientais. O total da conta dos 1.276 processos
em julgamento, muitos dos quais fraudados, pode elevar essa
conta para cerca de R$ 50 bilhões. Muitas dessas fraudes prosperaram
porque o Ministério Público e a Justiça, mal aparelhados,
não dispunham de recursos para averiguar a procedência das
avaliações feitas pelos peritos. Mas não restam dúvidas de
que parte do saque dos recursos do Estado resultou de uma
cadeia de cumplicidade forjada ao longo do processo.
Não há explicação plausível, por exemplo,
para o Estado ter sido condenado a pagar R$ 75 milhões ao
município de Caraguatatuba pela desapropriação de uma área
que o município havia, anteriormente, doado ao Estado. Esse
processo, aliás, foi sugerido à prefeitura de Caraguatatuba
pelo mesmo perito que "fabricou" o maior precatório do País.
Os lucros dos fraudadores aumentaram substancialmente
quando alguns juízes passaram a aplicar indiscriminadamente
uma espécie de indenização por lucros cessantes, os chamados
juros compensatórios de 12% ao ano sobre as indenizações,
não se preocupando com verificar se a área desapropriada prestava-se
a algum tipo de atividade econômica - o que raramente ocorria
nas áreas da mata atlântica que, não por outra razão, ficaram
preservadas até hoje.
O presidente da CPI, deputado Milton Flávio,
depois de ter ouvido 22 depoimentos, afirma não ter dúvida
de que "o Estado foi lesado de forma criminosa. Perto disso,
o caso do Lalau (o juiz Nicolau dos Santos Neto, que desviou
R$ 169 milhões da obra do Foro Trabalhista) é quase uma brincadeira".
Os trabalhos da CPI, no entanto, elucidaram apenas parte da
trama criminosa.
Entre os depoentes, não houve um único
juiz, o que constitui uma omissão, em si, escandalosa. Afinal,
como afirmou o deputado Vanderlei Siraque, que propôs a convocação
dos juízes que julgaram os processos sob suspeição e foi derrotado,
"quem julgou, quem autorizou o pagamento não fui eu, você,
o perito ou qualquer uma das partes, mas o juiz, e ele deveria
ser ouvido".
|