Um basta à
industria dos cursos de Medicina
Atualmente, o Estado de São
Paulo possui 86 mil médicos em atividade. Isto significa
um profissional para cada 456 habitantes, mais de duas vezes o
indicado pela Organização Mundial de Saúde,
que considera suficiente um médico para cada mil habitantes.
Mas qual é o problema de haver
muitos médicos? Aparentemente, nenhum. O que nos perguntamos
é se a qualificação destes profissionais
condiz com a responsabilidade que têm em mãos, ou
se são apenas fruto de instituições não
comprometidas com a função social e que visam apenas
o lucro. Para se ter uma idéia, entre 1996 e 2003 foram
criados 37 cursos de medicina no País, sete deles em São
Paulo, todos com pareceres contrários do Conselho Nacional
de Saúde. Além disso, há nove processos de
faculdades em São Paulo que aguardam liberação
do Ministério da Educação, apesar de o órgão
ter suspendido as liberações. Segundo levantamento
do Conselho Regional de Medicina - CREMESP -, cerca de quatro
mil médicos recém-formados entram no disputado mercado
de trabalho a cada ano, em São Paulo.
Outro dado preocupante é o
aumento de denúncias contra esses profissionais. Só
no ano passado, o CREMESP recebeu 2.972 denúncias, quase
40% a mais do que em 2000. Com certeza a má formação
profissional, ocasionada pelos cursos de medicina que não
oferecem condições adequadas de ensino, tem grande
parcela de responsabilidade sobre esse índice.
No sentido de frear esse quadro a
Assembléia Legislativa instituiu a lei 10.860, que estabelece
requisitos para criação e funcionamento dos cursos
de graduação na área da saúde, entre
eles os de medicina. A legislação determina que
todos os pedidos de abertura sejam encaminhados aos Conselhos
Estaduais de Educação e de Saúde, para avaliação
da necessidade social e dos aspectos didático-pedagógico
do curso. A lei foi resultado de grande estudo e debates entre
as entidades da área da saúde como o Conselho Regional
de Medicina, a Associação Paulista de Medicina e
o Sindicato de Médicos do Estado de São Paulo.
Porém, o governador de São
Paulo, que é médico, parece andar na contramão
da defesa da saúde pública. Mesmo depois que a lei
foi instituída, três cursos de medicina foram criados
em São Paulo. Além de o governador não fazer
com que a lei fosse cumprida, lamentavelmente, quer impugná-la,
deixando livre um caminho bastante lucrativo para as grandes empresas
ligadas à educação, que cobram em média
dois mil reais de mensalidade por aluno. Para tentar a impugnação,
o governador deu entrada, no Supremo Tribunal Federal, a uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade contra a lei. O argumento apresentado
é de que a legislação é inconstitucional
e que ofende o artigo 209 da Constituição Federal,
que protege a liberdade de ensino à iniciativa privada.
Porém, a Procuradoria da Assembléia
Legislativa, responsável pela defesa, concluiu que não
há ofensa ao princípio federativo, pois a lei se
baseia no artigo 24, inciso décimo segundo da Constituição
da República. Segundo o artigo, compete à União,
aos Estados e ao Distrito Federal, legislar sobre proteção
da saúde, o que vai de encontro com o objetivo da lei:
preservar a saúde das pessoas.
O outro argumento do governo para
tentar a impugnação também não faz
sentido. A lei 10.860 não ofende o artigo 209 da Constituição,
pois não tem intenção de tirar a liberdade
do particular, mas sim de adequar esse direito às exigências
do Estado em relação à educação.
Isso está previsto no inciso segundo do mesmo artigo da
Constituição.
Os agentes envolvidos na elaboração
do projeto da lei estão mobilizados para evitar sua impugnação.
No último dia 17, o Fórum Nacional Permanente de
Educação em Saúde decidiu formar uma comissão
que irá se reunir com o ministro do Supremo Tribunal Federal,
Carlos Veloso. A reunião visa ressaltar a importância
de disciplinar a abertura de novos cursos de medicina. A comissão
será formada por três deputados, um procurador da
Assembléia Legislativa e representantes das entidades médicas.
Nosso objetivo não é
acabar com as escolas de medicina. Queremos é que sejam
estabelecidos critérios para garantir cursos que ofereçam
aos alunos a qualificação necessária para
cuidar da saúde da população.
Vanderlei Siraque é deputado
estadual, autor do projeto que deu origem à lei 10.860
e membro do movimento contra a proliferação da indústria
de cursos de Medicina no Estado de São Paulo.
Artigo
publicado no jornal Diário do Grande ABC (11 de junho de
2004)
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