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As Câmaras Municipais e o Papel do Legislativo

Vanderlei Siraque
Deputado

Nortearei minha fala baseado nas minhas experiências como vereador e deputado estadual, e nos meus estudos acadêmicos sobre o Poder  Legislativo dentro de nossa República, este poder que nem sempre é valorizado como deveria.

Eu me defino no aspecto ideológico como um municipalista, por entender que, embora tenhamos os três entes da Federação: União, Estados e Municípios, é no município que as pessoas moram, vivem. Portanto, os vereadores e prefeitos recebem a pressão direta da população e da comunidade.

O voto pelo qual o vereador é eleito é um voto do eleitor que o conhece diretamente, enquanto o voto de um deputado se dá através da indicação feita por lideranças, como o apoio dos vereadores que o deputado recebe, são votações mais massivas.

A média de votação de um deputado federal ou estadual é elevada, fato que impede o deputado conhecer todos os seus eleitores, e nem sempre o eleitor conhece a pessoa que ele votou. O vereador tem uma relação direta com seus eleitores, a presença da comunidade nas Câmaras também se dá de forma mais permanente e intensa, com exceção de alguns municípios onde o prefeito se acha “dono” da Câmara.

 Conheci, na época que era vereador em Santo André, uma Câmara de uma cidade no Vale do Ribeira onde o prefeito ficava com a chave do prédio do Legislativo, um tremendo absurdo. Vi também situações nas quais o prefeito era refém da Câmara. Atitude equivocada dos vereadores.  É um erro o prefeito usurpar o poder da Câmara, mas é um grande erro a Câmara usurpar o poder do prefeito.

A nossa Constituição é Republicana, vivemos em um regime republicano. As cidades, os Estados e a União devem ver a população como “sócios”, ou acionistas, pois a República é uma coisa de todos. Nós, representantes eleitos pelo povo. somos regidos pela lei, pela Constituição Federal, pela Constituição Estadual e pela Lei Orgânica de cada Município. Nem em nossa casa fazemos o que queremos, pois o casal conversa, os filhos ajudam a decidir etc.

Durante toda a minha vida pública tenho defendido o papel dos parlamentares. Primeiramente, penso que os vereadores podem e devem exercer um mandato pedagógico para melhorar o nível de organização e de consciência política da sociedade. Precisamos, inclusive, esclarecer qual é o nosso papel.

O vereador não executa obras, não coloca ambulância para transportar pacientes, mesmo que seja uma causa nobre, bem intencionada. Não estou dizendo que o vereador não tenha que ser solidário com quem precisa de ajuda, o que não pode é transformar as demandas que são do Executivo em política do mandato.

O vereador precisa transformar o seu mandato em uma ferramenta de luta para que o município garanta saúde com qualidade, que tenha ambulância para atender toda a população. Esses são papéis do parlamentar, e não ele querer substituir a função do Executivo, porque jamais ele vai dar conta, por mais bem intencionado.
Os papéis dos vereadores estão definidos em Lei (Constituição Federal, Estadual e Lei Orgânica dos Municípios). Pelas leis, o vereador exerce quatro papéis: representar a população, pois ele é um representante da comunidade, e a Câmara passa a ser a caixa de ressonância dos problemas, das soluções da cidade. O artigo primeiro da Constituição diz: ‘Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição’.

 Uns vão representar a defesa da saúde pública (SUS), outros reapresentarão os interesses da iniciativa privada, outros ainda o interesse da propriedade privada da terra e dos latifúndios, alguns representarão os que lutam pela posse coletiva da terra, alguns vereadores representam a Educação pública, outros a Educação privada, apenas para citar alguns exemplos.

Toda representação lícita é legitima. Se um vereador, deputado ou senador se propõe a representar um segmento, uma idéia, uma classe, é legitimo tal representação. Há parlamentar que faz um mandato mais genérico, não representando um grupo específico, mas este mandato também tem sua legitimidade.

A Câmara tem poderes plurais, diferentemente do Executivo, onde o prefeito eleito precisa pensar políticas para toda a cidade. O prefeito exerce um poder monolítico, toda responsabilidade vai recair sobre a figura dele. Numa Câmara temos representação de todos os partidos políticos, todos os embates de idéias, todas as ideologias. Jamais uma Câmara será formada por um único partido político, dificilmente um partido elege a totalidade dos vereadores. É, portanto, um espaço no qual vigora a pluralidade do pensamento.

Os espaços legislativos representam a média da sociedade, e o comportamento da sociedade é reproduzido nesses espaços.  Precisamos lutar para que a média da sociedade seja composta por pessoas que desejam a transformação social.  Os eleitos devem ser a vanguarda da sociedade e  instrumento de superação dos males que se abatem sobre a sociedade.
 
Fiscalizar os atos do Executivo, legislar e propor políticas públicas são outras funções importantes do vereador.

Organizar a sociedade, embora não seja uma determinação jurídica, é, também, um papel importante do parlamentar, pois ajuda no desempenho da representação e na qualidade do mandato. Em situações onde você é minoria no Parlamento, e não consegue aprovar nenhum projeto, a organização da sociedade e a pressão que esta exercerá sobre os demais parlamentares implicarão na mudança de postura de todos os legisladores ou, no mínimo, a comunidade saberá quem está a favor ou não do povo.

O papel de organizar e mobilizar a sociedade é mais usado por parlamentares de esquerda, mas penso que qualquer vereador, independentemente da sua posição ideológica, quando se propõe a organizar a sociedade, seu mandato sempre é melhor, se comparado ao parlamentar que não dá ênfase à organização.

Sugerir e desenvolver políticas públicas, seja na área da saúde, educação, transporte, segurança, requer uma maior especialização por parte do vereador.  Desenvolver políticas públicas é um papel importante, meio pelo qual o parlamentar pode se diferenciar.

A fiscalização é um papel fundamental, embora a fiscalização tnha sido exercida pelo Ministério Público, pois a Constituição garante ao Ministério Público o dever de fiscalizar, sem prejuízo de que os parlamentares também exerçam tal papel.

O Legislativo perdeu muito poder desde o golpe militar de 1964, e a Constituição Federal de 1988 restringiu em muito a função legislativa. Por exemplo, o vereador não pode ser autor de projeto de lei que gere despesa para o Executivo, fato que limita a função de legislar. Entretanto, legislar não se dá apenas no fato de apresentar projetos de nossa autoria.

Nós estamos legislando quando votamos projetos ou rejeitamos projetos dos próprios pares, e quando apreciamos as matérias de iniciativa do Executivo, porque a legislação não impede que façamos emendas ou supressão de itens que julgamos prejudiciais à população.

Tenho me debatido sobre o que os parlamentares não devem fazer, e destaco quatro pontos essenciais: o clientelismo político, o assistencialismo político, o fisiologismo político e o tráfico de influência.

O trafico de influência é proibido pela legislação, o assistencialismo é ineficaz, serve para cortar filas, ferindo o principio da igualdade. Citamos como exemplo os pedidos feitos por vereadores para consultas ou vagas em hospitais. O papel do vereador é lutar para que todos sejam atendidos. Assistir uma pessoa individualmente, resolvendo o caso, pode até ser nobre, mas não como uma ação política.
 
O clientelismo político acontece quando o vereador entende a população como uma clientela. O vereador não pode olhar o indivíduo como um cliente, ele deve, sim, transformar esta pessoa num agente político, consciente de seus direitos e deveres, mobilizando as pessoas para uma luta coletiva. O clientelismo não leva à transformação da sociedade.

O tráfico de influência ocorre quando o vereador se envolve e se coloca à disposição de uma pessoa ou empresa para aferir vantagens econômicas em detrimento de outras pessoas ou empresas.

O fisiologismo ocorre quando os vereadores ficam amarrados ao Executivo por troca de cargos ou favores. Não se trata aqui de se opor a acordos políticos para buscar a maioria na Câmara, pois o acordo político é legítimo, pressupõe governar juntos, somar os projetos políticos etc. O que se condena aqui é a prática de “vender-se” sem nenhum compromisso com o projeto político em jogo. O acordo político pressupõe discussão do projeto político em jogo, uma discussão aberta, transparente.

Quero abordar aqui também a questão de ser oposição ou situação.
 
O que define se um vereador deve ser oposição ou situação é o projeto político. Só pelo projeto político, a meu ver. O que deve balizar nossa ação na Câmara é o projeto que defendemos, e ele é que nos leva ao caminho da oposição ou da situação. Não devemos ser oposição por oposição, ou ser situação somente porque meu partido governa, pois os nossos aliados podem se equivocar, da mesma forma que nossos adversários poderão estar corretos em determinadas políticas. A análise minuciosa de cada projeto deve orientar nossa decisão de votar favorável ou contrário.

 
 

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