A quem interessa
a crise na Febem?
As inúmeras e constantes
rebeliões ocorridas na Febem nos últimos meses refletem
bem o caos em que a instituição paulista está
mergulhada. Ao longo dos seus pouco mais de 30 anos de existência,
nunca foi vista tamanha barbárie e tantas ocorrências
nas dependências da instituição como no início
deste ano. Até um caso de estupro contra uma inspetora
foi registrado. Lamentavelmente, foi preciso atingir o grau máximo
de falência da fundação para que o debate
a respeito de prováveis soluções para a recuperação
dos adolescentes em conflito com a lei fosse retomado pelas autoridades.
Os números são,
de fato, alarmantes. Somente nos 3 primeiros meses deste ano já
foram registradas mais de 20 rebeliões, dispersas entre
as unidades da Capital, da Grande São Paulo e do interior
do Estado. O sistema está, inegavelmente, falido e desestruturado.
No auge do desespero para buscar uma solução de
última hora, o governo do Estado tomou medidas paliativas
que só agravaram ainda mais a situação, como
promover demissões arbitrárias de vários
funcionários, que, posteriormente, conseguiram ser reintegrados
judicialmente. Parece que o governo, na ansiedade de dar uma satisfação
rápida à sociedade, resolveu eleger os “bodes
expiatórios” e punir os virtuais culpados sem uma
apuração cuidadosa; reflexo de uma situação
incontrolável causada por anos de uma política social
equivocada.
Atualmente, o Brasil encontra-se
em uma triste e vergonhosa posição quando o assunto
é a recuperação do jovem infrator. O país
ocupa a segunda colocação em número de adolescentes
encarcerados no mundo, só ficando atrás dos Estados
Unidos, uma nação notoriamente repressiva com os
menores que cometem delitos. Curiosamente, os americanos têm
presenciado os mais chocantes crimes cometidos por adolescentes
já registrados em sua história, como o massacre
da escola de Columbine e, mais recentemente, a série de
assassinatos seguido de suicídio cometidos por um rapaz
de apenas 15 anos na escola secundária de Red Lake.
Voltando ao cenário nacional
acerca da problemática que envolve os nossos jovens infratores,
algumas perguntas tornam-se inevitáveis: De quem é
a responsabilidade ? Quem deve assumir a busca pela solução
da grave crise em que o sistema de recuperação do
infrator juvenil está mergulhado ? A crise na Febem interessa
a alguém ou a algum grupo ? De fato, as respostas não
são simples e não podem ser pronunciadas a esmo
ou aleatoriamente. No entanto, o que deve ser salientado é
que este é um problema que, direta ou indiretamente, aflige
todos os segmentos da sociedade civil. Cabe ao poder público
colocar em prática medidas que visem minimizar o caos,
mas é obrigação moral e demonstração
de exercício da cidadania que toda a opinião pública
se mobilize, a fim de sugerir alternativas.
A substituição
de medidas repressivas em favor de outras opções
que favoreçam a sociedade, bem como a formação
psíquica e profissional do jovem infrator vêm sendo
defendidas pelo PT, com base em experiências de outros países
que já adotaram mudanças significativas. Segundo
o Unicef, a Costa Rica, por exemplo, serve de modelo ao aplicar
ações sócioeducativas e descentralizadoras,
ao avaliar cada jovem caso a caso, dependendo da infração
cometida. Somente ficam segregados do convívio social aqueles
que cometeram crimes considerados graves, como homicídios,
e, ainda assim, freqüentam escola. Os demais são punidos
com prestações de serviços à comunidade
e sujeitos à liberdade assistida.
Agora, é importante frisar
que essas mudanças não podem ser promovidas do dia
para a noite, como num passe de mágica. Isso dispõe
de tempo para uma aplicação definitiva e eficaz.
É fundamental que as responsabilidades fiquem bem explícitas
e definidas quanto à instauração da descentralização
do sistema, e isso depende de um acordo firmado entre as autoridades,
que se torne de conhecimento público e notório para
toda a sociedade. As soluções são urgentes,
mas não podem ser implantadas sem planejamento. Caso contrário,
estarão fadadas ao fracasso.
Vanderlei Siraque é deputado estadual,
mestre e doutorando em Direito Constitucional e membro da Comissão
de Segurança Pública da Assembléia Legislativa
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